sexta-feira, 30 de maio de 2008

Nau Catrineta

No mar manhã igual
Procura-se na originalidade mas
Não é preciso construir um círculo quadrado

Hei hei grita o marinheiro na gávea
Não é a Nau Catrineta nem deixa de ser
A viagem na crista das ondas continua
Navega-se o cabo da esperança
Num ritmo de ocasiões perdidas

Nasce outro dia
Depois de outro e antes de qualquer outro
Tudo se repete no vídeo tape da vida

Ah ah ri o capitão na ponte do barco
Não é a Nau Catrineta nem deixa de ser
Ruge a tempestade encobrindo a lua
A fúria das partículas eléctricas abate-se
Sobre o telhado rochoso de um pensamento

Amei o amor como coisa platónica
Num arco-íris de esperanças
Mas há já guerras nos homens

Caiu no mar o mastro da mezena
Não é a Nau Catrineta nem deixa de ser
É só o que há nesta vida
Na procura do desconhecido
Os deuses incrustam-se nas mentes

Também sei que nasci um dia
Qualquer coisa apareceu
Cresceu ao ritmo normal

Ruiu mais uma esperança no imediato do navio
Não é a Nau Catrineta nem deixa de ser
Caiu mais um dente de escorbuto
E ainda se leu poesia no poeta
No espírito jamais roubado ao sonho

O rio foi violentando a margem
A águia voou ao longe
Ouviu-se um grito de guerra

As velas já iam todas esfarrapadas
Não é a Nau Catrineta nem deixa de ser
É qualquer outro outra ou talvez não seja
Que seja nesta vida não em mais outra
Que não seja a Nau Catrineta nem que não deixe de ser.

Pôr-do-Sol

No espaço
Sentado
Espantado
Olhando
Aquele Pôr-do-Sol
Maravilha
Esquecido do resto
Na solidão fátua
Na tempestade alheia

Serpenteiam ideias
Em Tebas
No culto de Amon-Rá

Nos tons
Rosa-pálido
Na imaginação do
Verde
Violeta...

No esquecer da vida
Só no prazer de ver

Terra
Visão caótica
Poente mágico
Deus esquecido
Simplesmente
Pôr-do-Sol.

Selva

Selva virgem devassada
Cara humana lavada
Posição temática formal
Esquecimento total.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Carta a Fernão Capelo Gaivota

No que está escrito
Trotai cavalgaduras
Cavalgai juntos
Suportai cargas
Ladrai nus
Escrevei sós
Enlouquecei devagar

No que está escrito
Nascereis novos
Brindareis alto
Sentireis amor
Alcançareis liberdade

No que está escrito
No rito nupcial da verdade
Tu viste a sensação.

A. D. N.

Tempo voando
Peixes na Lua
Fantasmas no céu
Liberdade na vida
Ondas metafísicas
Um ser que guia
Assexual
Nem se fala no ADN.
Perdem-se em fantasias
E
Em cores.

Amizade

As flores
Nascem
Abrem suas pétalas
Para
Jardins coloridos
Crescerão vida
Em frutos quotidianos.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Tu

Teus braços
São portas abertas
Nos muros da minha solidão

Teu sorriso
É a liberdade
Dos meus sonhos reais

Teu silêncio
É o fogo
Da minha sede.

Negritude

Anjo
De fogo negro
Escuto teus passos
Ondulantes
No silêncio

À espera

Olho-te nos olhos
Incendeio-te a forma
Rasgo-te
Como se minha fosses
Numa noite de ternura.

Felicidade (vol. 2)

Era pedra
toda verde-lilás.
Já nem tinha cor, sardenta. Pássaro sem asas,
cansado, velho, que pousa na janela do meu quarto.

Já ouvi tiros na guerra, nem todos
eram sangue. E foi nesse dia
que procurei "Felicidade". Sim!
"Felicidade", minha cadela
que fugiu. talvez
com algum vira-lata vadio!

Nesse dia lembro-me bem, chovia, nos jornais
escrevia-se guerra, morriam milhares de seres.
Que me importava! Procurava "Felicidade".
Andei sete (dias/anos) no pôr-do-sol.
Sonhei com o espaço, longe da mente.
Algo era opressão. Talvez não
Houvesse pedras verde-lilás. Talvez fosse
Humanidade.

Era um belo dia. Chovia!
A chuva era o meu sentimento transplantado.
Caminhei. Já teria andado léguas distantes,
o relógio há muito havia parado.
Regicídios se cometeram. Dia e noite caminhava.
Ao longe não havia luz.
Chamava, "Felicidade", "Felicidade",...

Sentia a cabeça vazia. O espectro avançou rindo-se
Loucamente demoníaco. Mas eu procurava "Felicidade".
Clamei aos deuses! Roguei pragas!
Talvez eu fosse Humanidade!

Vi-os procurando "Felicidade". Andavam
num palco pleno de luz obscura. Os actores iam
declamando sobre a vida, e eu procurava.
Não há mais paz em mim. Talvez eu fosse Humanidade!

Perguntei. Ninguém
tinha resposta.
Sentei-me por milhares de pedras verde-lilás nos
regatos dos caminhos.
Procurei nos palácios, prisões e "Felicidade"
escapava-se. Procurava.
Procurava pegadas, rastos, arbustos. O Homem chegava
à Lua. Eu
procurava "Felicidade".

Encontrei-a!
Num dia. Jazia em sangue vermelho
que empapava as pedras verde-lilás. Aproximei-me
lentamente, e em "Felicidade" encontrei
as garras inconfundíveis de Homem.
Desalentado chorei pela eternidade "Felicidade".
Talvez eu fosse Humanidade.

Pergunta

O que é o poema?
É uma estrada imensa
e insegura de
liberdade.

O que é o poeta?
É qualquer homem,
mulher,
plenos de amor.

Espantalhos

O espantalho
quer vida, mas confunde-se.
Queria ser
Algo definido. Rediz-se nos
pensamentos.
Prostituiu-se na cadência, reflecte regras que
não defende. Ensina o que não sabe. Realiza-se
com o impossível. Desculpa-se em si,
estremece de dor nauseabunda. Quer coragem
de dizer liberdade!

Musas da inspiração:
Renego-vos!
Não tendes futuro,
sois metamorfoses.
Nós espantalhos vos renegamos.

Douro

O rio nasce no amanhecer
À procura do teu ser
Ou dos corpos nus
Da curva dos teus seios
Dos teus lábios
Do preço de um sentimento.