segunda-feira, 29 de junho de 2009

Caravela

Pressinto uma caravela navegando num mar de brumas arroxeadas e
brilhantes. Capta o rumor do sol atravessando nuvens tentaculares como
se um polvo mecânico envolvesse a parafina das cordas do velame.
Abre-se para o oceano, equiparando-se a uma gôndola em canal estreito
e tétrico. Projecta sombras que se misturam nos remoinhos que pululam
nestas estradas aquosas, Cria sonhos, deglute ilusões, vende aparições. Apela ao vento que corteja as velas de um branco escurecido
pelas tempestades, pela negritude das noites quebradas por estrelas
cadentes reverberando pela atmosfera viscosa e quase palpável. Aquece os panos com a brisa dinâmica que origina movimento que fazem estremecer
os átomos que entrechocam violentamente. Vi
uma caravela de odores massajando a pituitária em imagens quase
cromadas reflectindo caleidoscópicas cores. Opíparos tons, melancólico sfumato. A caravela percorre a sua rota
entre meandros e requebros de jardins de ervas perfumadas. Sonegando
informação Partilhando emoções Relevando histórias de passados recentes e
distantes. Outrossim prossegue o seu destino, Como se existisse um propósito
a alcançar Uma meta tangível ou mesmo perdida na metafísica dos pensamentos. Caravela altiva, quase sensual, obviando encontros e
desencontros. Função mecânica porque nestas coisas a electrónica ainda
permanece no limbo da nossa consciência, absoluto e ao mesmo tempo
perecível, A visualização da tese a da antítese. A nossa deslocação no
tempo e no espaço que se mede em vidas Que se escoam numa ampulheta
invisível e inodora. Caravela personalizada sem marinheiros ou
passageiros. Única, inequívoca mas sem significado no macrocosmo. No
entanto existe, pode ser falada, escrita, desenhada, pensada e sobretudo
interiorizada.
Caravela flutuante, abrasiva com óbvias conotações melodramáticas dignas
de Bollywood. Carente, absolutamente desejada e idolatrada,
algumas vezes néscia, mas sempre na procura da bússola, da rota
programada ou nem por isso. Ouso afirmar que se ouve o marulhar da quilha
rompendo as alterosas vagas. Vaga-lume na escuridão, ponto longínquo e
fátuo. Arrasta consciências e consequências, por vezes estas adormecem e
nada escutam, E são livres como águias, como se a águia por voar fosse mais livre que qualquer outro ser. A caravela transporta(nos), com ela nascemos,
torna-se um lugar comum, uma miragem real no horizonte que nos esgota
mas nos obriga a transcender, pelo menos em alguns momentos, apesar
de se tornarem recordações, não deixam de ser vividos. Caravela portentosa,
esquiva, composta de material biológico, obsoleto, mas sem outra resposta
nem outra intenção. Caravela bolinando ao sabor do querer, Agarra-se a uma
(ou várias) ilusões, truque de mágico, assumpção do palco que
atravessámos, cegos pela luminosidade dos projectores que entalham
fios de luz emaranhados no éter escuro da sombra. Pequeno barco
entumecido pelo oceano, quase indefeso, balançando entre as vagas que
o agitam e perturbam. Procura, teimosamente, aproximar-se do seu
porto de destino ainda que lhe desconheça o nome, latitude e longitude. Caravela corajosa, embora não conheça a coragem, nem como
substantivo nem como
adjectivo. No entanto prossegue, o nevoeiro, que entretanto se espraiou,
ajuda, porque esconde os adamastores que espreitam. Pulsa de
vida. Encurva-se com as mais fortes rajadas, espuma pelo horizonte
longínquo esculpindo relevos na cava da ondulação. Inclina-se a
Caravela salga o convés, adorna de viés, rodopia,
escamoteia o salitre pela borda fora, Amaina mas não ajoelha. Encontra
outra vez o rumo, por vezes perdido. Volteia num passo de dança
febril, mas busca o Norte que freme na Via Láctea, Ensinando,
para quem o desejar, que existem trajectórias que podem
ser traçadas em mapas tridimensionais. Caravela de triangulares
velas latinas, evocando outros lugares, distanciando-se mas
ao mesmo tempo aproximando-se que a vida é assim mesmo, construída de
paradoxos.

domingo, 21 de junho de 2009

Momentos assim...

Há momentos ridículos outros mais. Sempre um manifesto,
Que não é uma arma mas uma confissão,
Que cresce abotoando-se de incompreensões, Paira no
Ar como que impessoal para depois se abater abruptamente como
Ave de rapina. Cumpre-se mais um dia assimilado na noite. Não
Ouvi barulho mas a insónia atribulou-se no insondável. Mais uma
Noite esfumada na manhã,
Um templo consagrado a Baco, a danças
De perfumadas e opíparas bacantes.
Só o tempo afasta o ridículo. E o transforma noutro momento
Constrangedor ainda assim diferente.
Ainda assim um momento…

domingo, 14 de junho de 2009

Nascem com um sabor de incerteza

Nascem com um sabor de incerteza. Por vezes crescem
Em volumes inauditos, transformando-se em películas de
Cores espalhafatosas.
Ecoam por vales perdidos, ocasionalmente provocam
Tremores de terra induzidos por lançamentos hormonais.
Outras apaziguam-se metamorfoseando-se em ribeiros
De um caudal estival.
Deslocando-se preguiçosamente numa paisagem queimada e
Estéril. Evaporando-se na medida em que percorrem distâncias
Apreciáveis.
Em alguns casos, na maioria das vezes, são uma planície desprovida de Surpresas.
Um horizonte baixo, uma iníqua maneira de ser. Um
Nada rotundo e obeso.
Ainda existem ocasiões em que são obliterados, esquecidos,
Aliviados numa amálgama de suor e tristeza.
Noutras são planaltos, tão lisos como as planícies, mas mais
Altos. Altura que propícia o voo e confere
Uma estabilidade livre de preconceitos, uma grandeza construída por
Serenidade.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

As maiorias absolutas são a governabilidade dos medíocres

Ontem, dia de eleições europeias, apreciei a televisão. Deliciei-me com os rostos da derrota de quem, pelo menos para mim, personifica a mediocridade e uma forma pouco ética de abordar a política.
As maiorias absolutas nada trazem de bom para o país, a não ser a arrogância e os tiques ditatoriais. Ouço espantado as teses da ingovernabilidade que de imediato saiem a terreiro se não existir a probabilidade de uma maioria muito apreciável. Mas não será a democracia na sua essência o diálogo, a capacidade de ouvir? Será que só se pode governar se tivermos o poder de esmagar a oposição? Será que estes quase 4 anos nos deram um governo melhor e mais capaz? Será que no fim deste mandato os portugueses estão numa situação melhor? Será que este governo do Partido Socialista fez alguma reforma durável e consistente?
É óbvio que a resposta a todas estas interrogações é um não rotundo. Não estamos melhor, bem pelo contrário. Estou a ver as alegações de alguns, mas o problema é exterior, é a crise económica internacional. Desenganem-se porque a crise é estrutural. Temos uma economia deficiente, um corpo empresarial e trabalhador com baixas qualificações. Sem resolvermos este problema do ensino não chegaremos a nenhum sítio, a não ser que o nosso projecto de vida seja competir com a China e por conseguinte com os seus níveis salariais. Perante este problema da educação o que fez o governo? Tomou medidas economicistas, incendiou a classe dos professores e no final tudo está bem pior.
Não teria sido muito melhor de em vez de ter tomado uma atitude autista, possibilitada pela tal maioria, o ministério da educação tivesse encetado negociações e obtido acordos para realizar uma verdadeira reforma que precisámos? Provavelmente estaríamos hoje numa situação bem diferente.
O mesmo não será válido para a Justiça, Saúde, Segurança Social, Economia, …?
A governabilidade advém da capacidade de diálogo, de encontrar pontos de união.
As maiorias absolutas são a governabilidade dos medíocres. Para o crescimento do país é fundamental que elas não existam.